Por Marcel Pechman
Assistindo ao Jornal Nacional, Seu Antonio, 62 anos, fica extremamente curioso ao saber da valorização de 900% da moeda bitcoin.
Cético, decide se informar melhor, pois sempre investiu conservadoramente.
Após cinco minutos no Google — “como ganhar dinheiro com bitcoin?” e “investir em bitcoin é seguro?” — seu Antonio decide que aquilo não é pra ele.
Dez dias depois, no entanto, escuta que um conhecido havia duplicado seu investimento na moeda.
Era a gota d’água.
Mesmo arredio, Seu Antonio pergunta onde poderia comprar aquela porcaria. “Comprei no Mercadolivre, e ainda parcelei no cartão,” responde o amigo entendido.
Seu Antonio se dá o trabalho de pesquisar um vendedor “de confiança”, pois já vivera algumas experiências ruins no passado. Foi então que se deparou com um anúncio de “0,002 Bitcoin BTC por R$ 170”. Não havia mais dúvida: se até fulano ganhou, por que não ele?
Ao ser indagado pelo vendedor sobre ‘o endereço de destino das moedas’, seu Antonio prontamente informa seu email. O vendedor, pacientemente, explica que para armazenar as moedas, é necessário algo chamado “carteira digital de Bitcoins”, e informa um link para a criação da mesma, mencionando que tratava-se de uma sequência de letras e números.
Seu Antonio, prestativo e interessado, digita seu email e cria uma senha na tal carteira virtual. Após alguns minutos, clica no email de confirmação e, voilá, surge uma sequência de números. Hora do copy & paste, correto? Aparentemente não, pois o vendedor informa que o código informado é ‘a chave privada’, que não deveria ser compartilhada.
Ops, tudo bem, ao menos me parece uma pessoa honesta, pensa Seu Antonio. Seguindo as novas instruções — desta vez 10 minutos clicando em algumas abas do site sugerido — surge a tão aguardada sequência de letras e números, desta vez sem hífens. O vendedor informa que o envio fora um sucesso e Seu Antonio, já cansado de tanta informação nova, retorna para a boa e velha televisão.
No dia seguinte, ao conferir o investimento em sua carteira, percebe que o seu 0,002 Bitcoin agora tem um valor de R$ 110 ao lado. Ao questionar o vendedor, é informado que as carteiras não fazem compra/venda de Bitcoin, e que somente uma corretora brasileira poderia informar a cotação em reais. (A carteira apenas converte a cotação nos EUA pelo dólar comercial.)
Desanimado, Seu Antonio, sem saber se o vendedor estava ou não falando a verdade, e sem coragem de perguntar ao seu conhecido, decide nunca mais olhar para aquilo, na certeza de que seus netos poderão futuramente usufruir do investimento arriscado que acabara de realizar.
Histórias como a do seu Antonio são reais. Eu sei, porque fui eu quem vendeu estes Bitcoins.
Realizei mais de 500 transações dessas nos últimos meses para pessoas tão ou mais perdidas quanto esta figura, e posso afirmar categoricamente que a vasta maioria não faz a mais vaga idéia do que é um Bitcoin.
Não pense que apenas pequenos investidores se atiram neste precipício com os olhos vendados. Frequentemente recebo interessados em comprar valores superiores a uma SUV 0km que são incapazes de fazer uma regra de três para descobrir quanto pagaram por cada Bitcoin.
Sabe aquele seu conhecido “ninja do Bitcoin”, que até fez uma arbitragem ou outra comprando por R$ 55.000 numa corretora e vendendo por R$ 57.000 noutra? Pois é, provavelmente é outro trouxa nessa história, já que as corretoras cobram taxas de até 3,5% por operação. Muito provavelmente esse seu amigo saiu praticamente zerado, e ainda ficou com a grana presa alguns dias.
Lembre-se: essas auto-intituladas ‘corretoras’ NÃO são reguladas pela CVM, Banco Central… nada.
É impossível saber se os ‘trades’ são reais ou o famoso “zé com zé”, pagando 0% de comissão. Da mesma forma, a corretora pode muito bem colocar ofertas falsas na tela e, se alguém tentar vender, cancelar antes de ser executada.
Front running? Permitido.
Levar oito horas pra creditar ou resgatar seus Bitcoins? Permitido.
Derrubar o link se o mercado for pro lado errado? Tá valendo.
O bitcoin hoje é terra de ninguém.
Pense bem: A Bovespa, com suas mais de 100 corretoras, possui pouco mais de 600.000 CPFs ativos. Será mesmo possível que uma única corretora de Bitcoin tenha 500.000 clientes?
Até agora, o Bitcoin só trouxe alegria para centenas ou milhares de recém-descobertos ‘gênios’ das criptomoedas. No entanto, de uma hora para outra, a possibilidade de se converter Bitcoin em qualquer outra moeda pode desaparecer.
Os bancos estão fechando as contas das corretoras (que estão recorrendo na Justiça), e os governos podem exigir licenças das corretoras e criar taxas que inviabilizem o negócio. O que era para ser uma moeda ‘peer to peer’ está, ainda, sujeita à intermediação (frequentemente grosseira) de terceiros.
Esse mercado, extremamente novo e interessante, está sujeito a exageros, ganância, fraudes e muita, muita assimetria de informação. Ou será Seu Antonio um novo Warren Buffett?
Marcel Pechman é administrador de empresas. Trabalhou no mercado financeiro por 15 anos, e hoje faz arbitragem e venda de bitcoins. Nunca viu tanta gente comprada num ativo que sequer compreendem.