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Valor – Rejeição da classe política chega ao ápice

por | 29 jun, 2018

“Que se vayan todos!” O grito de rejeição que marcou a eleição presidencial da Argentina em 2003 carece apenas de tradução para ser o retrato do quadro eleitoral do Brasil, a se projetar o cenário desenhado pela pesquisa do Ibope divulgada ontem.

O furor antissistema na Argentina fez com que a primeira eleição após o desastre econômico e político da Presidência Fernando De la Rúa fosse a que tivesse a maior abstenção em 66 anos. Na urnas, entretanto, esta revolta não encontrou veio para se manifestar. “Outsider” não existia, todo mundo era do ramo.

Havia Carlos Menem, o ex-presidente, que veio a ser o mais votado no primeiro turno e era dono de enorme rejeição. Um ex-ministro da Fazenda, Ricardo Lopez Murphy, conhecido pela capacidade de gerar polêmica e Elisa Carrió, candidata então famosa pelo purismo no momento de fazer alianças. O paralelismo termina aí. Não há um candidato hoje no Brasil parecido com Néstor Kirchner (1950-2010), o governador de uma obscura província que ganhou aquela eleição. Jair Bolsonaro também só existe um.

O 2003 na Argentina e o 2018 no Brasil se aproximam, contudo, pela extrema fragmentação. Na Argentina houve a implosão definitiva da polarização entre peronistas de um lado e União Cívica Radical, de outro. No Brasil, quando se fala em cenário sem Luiz Inácio Lula da Silva, o eixo PT/PSDB não soma 10% das preferências. Tanto no Brasil como na Argentina, a eleição parece incapaz de revestir o seu ganhador de legitimidade.

Impressiona ver que a opção “em branco e nulo” marca 31% das preferências na pesquisa espontânea, ante 21% de Lula e 11% de Bolsonaro. Na pesquisa estimulada com o petista, o número como era de se esperar recua, mas apenas 11 pontos percentuais. Mesmo com Lula no cenário, ainda são 22% os que optam por ninguém, o que sinaliza com força que há um contingente poderoso de brasileiros que rejeita o processo eleitoral atual, e não uma disputa sem Lula.

A dispersão do voto lulista, ou seja, o destino do manancial do petista quando ele é retirado da competição mostra a limitação da transferência de votos. Se o total dos que pretendem votar em branco e nulos cresce 11 pontos percentuais, 5 pontos vão para candidatos do espectro da direita ou centro-direita (Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Alvaro Dias), dez pontos para o centro e centro-esquerda (Marina Silva e Ciro Gomes), somente dois para alternativas petistas e nada, nenhum único ponto, para as demais opções de esquerda (Guilherme Boulos e Manuela d’Ávila).

É razoável pensar que o petismo exerce algum controle sobre a soma dos que migram para a rejeição a todos e dos que vão para Fernando Haddad. É algo entre 30% e 40% do eleitorado lulista, no horizonte de hoje. A transferência dependerá de muitos fatores que não estão postos. Lula aparecerá no vídeo, declarando voto em alguém? ele continuará na cadeia? o PT escolherá uma opção real para substitui-lo ou indicará uma marionete?

Se Lula não transfere tanto, ninguém se apropria claramente do seu legado. Na região Nordeste, Ciro e Marina passam de 13% para 30% quando o nome do petista é retirado da relação de candidatos, mas este percentual é dividido de maneira quase simétrica entre os dois. Ambos dividem preferências dos lulistas, ainda que a chance de terem apoio do PT seja próxima de zero. Ambos buscam o apoio de partidos à direita, com baixas perspectivas de êxito também. Um tira a força do outro. Não conseguem drenar a tendência do eleitor para a abstenção.

Bolsonaro está na liderança, mas a apenas 11 pontos do quarto colocado, Alckmin, o que representa nada, conforme disse ontem o ministro Gilberto Kassab aos repórteres Cristiane Agostine e Fernando Taquari. De quebra, tem a maior rejeição entre os candidatos. Sente a cabeça aproximar-se do teto.

O antipetismo continua desguarnecido. No cenário com Lula, o percentual de opções pelo voto em branco e nulo é tanto maior quanto maior o porte do município e predomina no Sudeste em relação ao Nordeste. Nas franjas em que a rejeição ao ex-presidente é maior, cresce o rechaço à classe política como um todo. Alckmin continua impressionando pela debilidade. É assombroso que ele esteja tão fraco na região Nordeste quanto na região Sul. Na última, fica com a terça parte do que obtém Alvaro Dias e está numericamente atrás de Manuela d’Ávila, no cenário sem Lula.

“Caminhamos para um cenário em que irão para o segundo turno candidatos com menos de 30 milhões de votos”, comentou o publicitário Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, que também faz pesquisas quantitativas, mas sem intenção de voto.

Ele detecta uma enorme desconexão entre os candidatos a futuros governantes e os governados. A demanda por um ‘outsider’ não foi atendida. Isto direciona a campanha eleitoral para uma busca desenfreada do voto útil, em pleno primeiro turno.

“Vai ter mais sucesso quem conseguir uma narrativa que o distancie o mais possível da política tradicional”, comentou Meirelles. Haverá a maior montanha de abstenções, votos em branco e nulos da história eleitoral brasileira, possivelmente, muito superior aos 27,2% da eleição de 2014. Independente de onde este rechaço se situe, quem dividir o total dos votos válidos terá se beneficiado de um voto por exclusão. Segundo Meirelles, dois em cada três eleitores tende a escolher o candidato pelo critério de menor rejeição. A imensa maioria dos eleitores se julga confiável, honesta, trabalhadora e preocupada com o próximo. Parte do princípio de que os políticos são o exato oposto disso.

Salvo a uma minoria de adoradores, quebrou-se qualquer vínculo de empatia entre os eleitores e os candidatos. Daí o começo agora, de maneira tão aparentemente prematura, da campanha negativa desencadeada por Henrique Meirelles e Alckmin contra Ciro em, principalmente, Bolsonaro. É preciso demarcar a distância. Os eleitores podem não gostar, mas terão que escolher conforme a oferta. O barro é esse.

Por César Felício, que é editor de Política. Escreve às sextas-feiras para o Valor Econômico.